
O alarme irritante do cachorro avisava que alguém tentava interromper o nosso momento. Quando fui ao seu encontro ele já estava de saída. Não fiz questão de que revertesse seu curso, mas me olhou com um olhar melado, que de tão escorregadio quase me convenceu a dar-lhe um pouco mais da minha atenção. Era uma mistura de compaixão, vergonha e surpresa. Não me permiti outra ação que não fosse a de recuar. Só que, antes de recolher-me percebi que o motivo da repentina visita estava bem ali em cima da mesa. Fingi que não havia visto e de costas senti que aquele cambaleante ser queria mais que uma tímida troca de olhares. Me faltou chão, lugar, palavras. A aproximação não se prolongou, porém me fez chorar em silêncio. Num estalo entendi que o amo, não importa o quanto se afaste, nada mudará o rumo natural das coisas. Foi dele que vim, não há como fugir da minha realidade. É um sentimento sem nexo, mas que insiste em me acompanhar. Justo no momento em que eu estava ali a dançar na Santa presença, embalada ao doce som de uma rouca voz de um Black Power louco. Num instante sem ligação nenhuma com o mundo real, ele me aparece com um sorriso flácido, olhar distante e triste, voz rastejante, regado de uma bebida de cheiro nada agradável e me desmonta; cheiro esse que passa longe do agradável aroma do Seu vinho novo. Não é justo, ele também precisa Te experimentar! A verdade é que o amo, apesar dos pesares. Talvez, seja esse o sentimento que Senhor espera de mim, amor sem condição. E ele não precisa se esforçar para ter de mim o que nunca soube me dar...